Dados do Trabalho
Título
RELAÇOES ENTRE MEMORIA DE TRABALHO E NUMERACIA EM ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL
Objetivos
A perspectiva cognitivista reconhece a importância da compreensão conceitual e considera a aprendizagem como um processo ativo. Essa atividade ocorre na memória de trabalho, um recurso limitado de processamento de informações, o qual pode ser facilmente sobrecarregado em situações menos estruturadas de aprendizagem (Haase, 2020). A memória de trabalho é responsável pelo armazenamento temporário de informações, bem como pela sua manipulação, subsidiando a realização de tarefas cognitivas como raciocinar, compreender e resolver problemas (Baddeley, 2011). De acordo com o modelo proposto por Baddeley e Hitch ( 1974a memória de trabalho é formada pelos seguintes componentes: A alça fonológica que pressupõe um armazenamento temporário de informações codificadas verbalmente e um processo de repetição verbal; o esboço visuoespacial semelhante à alça fonológica, entretanto sua especialidade é a gravação de arranjos codificados visual ou espacialmente e o executivo central que é o gerenciador da memória de trabalho. Vários estudos realizados têm evidenciado importantes relações entre a memória de trabalho e as aprendizagens escolares fundamentais, incluindo leitura, escrita e habilidades matemáticas (Baddeley, 2011; Bull & Espy, 2006). O termo numeracia é de uso recente e responde, em parte, à necessidade de estabelecer uma analogia terminológica com o termo literacia. Ele vem sendo utilizado de modo a substituir gradualmente o termo “senso numérico” em sentido amplo, o qual é por vezes ainda empregado para designar o amplo conjunto de habilidades numéricas desenvolvidas informalmente por crianças antes da entrada na escola, bem como aquelas trabalhadas na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental (Haase, 2020). Tendo em vista a dificuldade observada em um elevado número de crianças em dominar os conteúdos matemáticos, o objetivo geral do estudo foi analisar as relações entre as habilidades da memória de trabalho, em seus diversos componentes, e o conhecimento matemático (numeracia) de escolares do Ensino Fundamental – Anos Iniciais
Material e Método
. O estudo, de abordagem quantitativa, seguiu um delineamento correlacional transversal, buscando-se também realizar análises de regressão múltipla, tendo as habilidades matemáticas (numeracia) como variável critério e as habilidades de memória de trabalho (fonológica e visuoespacial além do controle atencional/flexibilidade cognitiva) como variáveis preditoras. Os participantes da pesquisa foram 156 . estudantes do 1° ao 5 ° ano de uma escola particular, de ambos os sexos, com idade de 6 a 11 anos. Para avaliar as habilidades relacionadas aos componentes da memória de trabalho foram utilizados os seguintes instrumentos: 1) Teste dos Cubos de Corsi (adaptado por Dias et al., 2019), para avaliar a memória visuoespacial de curto prazo (ordem direta) e memória de trabalho visuoespacial (ordem inversa); 2) Teste Span de Dígitos (Dias et al 2019) para avaliar a memória fonológica de curto prazo (ordem direta) e memória de trabalho fonológica (ordem inversa); 3) Teste de Trilhas (Montiel & Seabra, 2012), instrumento utilizado para a avaliação das funções cognitivas relacionadas ao executivo central (flexibilidade cognitiva). A Prova de Aritmética (PA, Seabra et al., 2009; 2013), elaborada de acordo com a abordagem cognitivista do conhecimento matemático, foi o instrumento escolhido para avaliar as habilidades de numeracia dos participantes.
Resultados
Os resultados obtidos, a partir de análises de variância considerando a comparação do desempenho na Prova de Aritmética em função da faixa etária indicaram, no caso da maior parte das variáveis preditoras, uma indiferenciação entre os participantes de 6 e 7 anos e, por outro lado, sua diferenciação significativa em relação aos participantes mais velhos (10 e 11 anos). Desse modo, considerou-se pertinente agrupar as faixas etárias inferiores e superiores, de modo a verificar a hipótese da variabilidade da influência das diferentes habilidades cognitivas avaliadas sobre o desempenho matemático, ao longo do desenvolvimento. As análises de regressão múltipla realizadas com o grupo de alunos mais novos (6 e 7 anos) indicaram que as habilidades de Memória de Trabalho Fonológica, Memória de Trabalho Visuoespacial e Flexibilidade cognitiva explicaram, conjuntamente, cerca de 49% do seu desempenho na PA. No grupo dos alunos mais velhos (9 e 10 anos), o modelo incluindo as variáveis Flexibilidade cognitiva e Memória Visuoespacial de curto prazo foram responsáveis por 15,7% da variabilidade do desempenho na PA Percebe-se, portanto, uma redução da importância da memória de trabalho fonológica entre o grupo de alunos mais velhos, os quais correspondem, também, aos anos escolares mais adiantados. Uma hipótese para explicar essa redução seria o maior grau de automatização e memorização dos cálculos nesse grupo de estudantes, exigindo assim, menor esforço da memória fonológica (reverberação oral de cálculos intermediários até chegar ao resultado final de uma conta, por exemplo). Por outro lado, a memória visuoespacial e as habilidades executivas continuam relevantes desde os anos iniciais até os finais mostrando sua importância sobre o raciocínio matemático, embora a diminuição da contribuição dessas habilidades na explicação do desempenho seja digna de nota, sugerindo que outras habilidades ou variáveis podem estar se tornando mais importantes nessa fase dos anos finais do ensino fundamental, o que instiga a realização de novos estudos. É importante considerar também que, entre os alunos mais novos, as habilidades visuoespaciais requeridas são mais relacionadas à memória de trabalho enquanto entre os alunos mais velhos, a influência da memória visuoespacial de curto prazo parece mais preponderante, o que é um resultado um tanto quanto surpreendente e que merece ser melhor explorado em futuros estudos.
Conclusões e implicações dos resultado
Por fim, é importante comentar a relevância do controle executivo no desempenho matemático dos participantes como um todo, chamando a atenção para a importância do controle atencional e da flexibilidade cognitiva para o raciocínio e desempenho matemático. Em síntese, os resultados obtidos dão suporte à importância da memória de trabalho para a numeracia, evidenciando também possíveis mudanças evolutivas na relação entre essas habilidades. De todo modo, é possível supor que intervenções visando ao desenvolvimento dos diferentes componentes da memória de trabalho podem contribuir para a elaboração de planos de intervenção dirigidos a alunos que apresentam dificuldades importantes em matemática.
Área
Neurodesenvolvimento e seus Transtornos
Categoria
Terapeuta
Instituições
Universidade de São Paulo - São Paulo - Brasil
Autores
ALINE MICHELLE SARANZO MASSARO, SYLVIA DOMINGOS BARRERA